Um assunto que teve grande repercussão para as telecomunicações durante os últimos dias foi a revogação da neutralidade de rede nos Estados Unidos. A decisão divide opiniões e deve ter uma longa disputa até o seu ponto final.
A proposta com novo regulamento derruba algumas regras que eram utilizadas desde 2015, entre elas, o fim da obrigatoriedade dos provedores de seguir com a neutralidade de rede, a chamada “internet aberta”.
O que para alguns prejudicará a inovação online, em pleno processo de transformação digital de dezenas de segmentos econômicos.
A decisão pela alteração foi confirmada depois de três votos a favor e dois contra, na Federal Communications Commission (órgão regulador americano equivalente a Anatel no Brasil), garantindo a maioria a favor da proposta de Ajit Pai (presidente da agência). Ajit afirma que o consumidor terá mais poder para lidar com as provedoras de acesso à internet locais com sua proposta.
As medidas ainda precisam ser referendadas pelo departamento do governo responsável pelo orçamento, equivalente a nosso Ministério do Planejamento. Depois que isso acontecer, passa a vigorar.
DISPUTA
Para vários membros da Promotoria norte-americana, agora, começará a guerra judicial contra a medida. Entidades de direitos civis, como a ACLU, ou de direitos digitais, como a EFF, já indicaram disposição de ir ao Judiciário para manter as regras adotadas em 2015.
Diversas empresas também deverão participar desta disputa judicial nos EUA. Com a revogação, não há qualquer obrigação de provedores de internet de tratar o tráfego de dados nos EUA de modo isonômico, possibilitando distinções, cobranças, priorização de determinados aplicativos, entre outros.
Algumas empresas provedoras já se posicionaram afirmando que embora exista a possibilidade, nada irá mudar de maneira tão macro como se teme. Essa possibilidade já existiu antes e isso não aconteceu, afirmam.
O mercado americano já vem trabalhando no formato atual mesmo antes de 2015, onde foi vigorada as normas vigentes até a última semana. Contudo as afirmações não acalmam os ânimos das entidades que buscam os direitos da neutralidade de rede e temem pela perda de sua obrigatoriedade.
Os EUA são um celeiro em inovação e diversas empresas e entidades ficam apreensivas com a possível perda de capacidade do país em deixar de proporcionar a internet aberta. Uma das mais notáveis transformações a nível global, dentro de um futuro breve, são as cidades inteligentes, que devem ter um crescimento real após a chegada do 5G ao mercado até 2020, e segundo especialistas o processo já deve começar em 2019 com aplicações que terão impactos na vida dos usuários finais.
MUDANÇAS
A nova regra volta ao estágio pré-2015, e restaura a classificação da banda larga como fixa como um “serviço de informação” na Title I da Communications Act, a Lei de Comunicações dos Estados Unidos, deixando ser um “serviço de utilidade pública”. A medida retoma ainda a classificação da banda larga móvel como um “serviço móvel privado”.
Além disso, passa a requerer dos provedores de Internet (ISPs) a publicação de informações sobre suas práticas aos consumidores, “incluindo bloqueio, estrangulamento, priorização paga ou priorização afiliada”.
As medidas de transparência também só terão efeito após a aprovação do gabinete de gestão e orçamento do governo dos EUA.
NEUTRALIDADE NO BRASIL
Aqui no Brasil o presidente da Anatel, Juarez Quadros, afirmou que não irá se manifestar sobre a decisão desta semana da FCC (Federal Communications Commission).
Ele ressaltou que no Brasil, adota-se a lei brasileira, que é o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014. Além da legislação aprovada no Congresso Nacional, Quadros reforçou que segue também o Decreto de 2016, do Poder Executivo.
“Estamos no Brasil, e aqui adotamos a legislação brasileira”, afirmou Quadros.
MARCO CIVIL DA INTERNET
O Marco Civil da internet assegurou a neutralidade da rede de telecomunicações para o transporte de bits. Isso significa que as operadoras de telecomunicações só podem gerenciar o tráfego (dar prioridade para os pacotes de dados) em casos de necessidade técnica e modelos de negócios que não discriminem o usuário, como a oferta de acesso a conteúdo gratuitos.
OPINIÕES NOS EUA
O presidente e CEO da associação de Internet e Televisão dos EUA (NCTA) Michael Powell, comemorou a medida da FCC alegando que, “por décadas, os provedores de serviço de Internet norte-americanos entregaram uma Internet aberta” sem as regras antigas, e que “nada nessa decisão altera esse compromisso – ISPs têm repetidamente falado que não bloqueiam e nem vão bloquear, estrangular ou discriminar de forma injusta como o tráfego de Internet é entregue”. Powell diz ainda que é necessário que o Congresso crie legislação que “resolva o debate de décadas e permanentemente consagre em lei as proteções da Internet aberta enquanto inauguram uma nova era de conectividade para consumidores americanos”.
A US Telecom, que também representa operadoras, afirmou que “apoia a decisão”, a qual vai “nutrir a inovação e o investimento” em banda larga. Segundo a entidade, o caminho da regulação anterior “não era necessário”, e que bastariam “regras objetivas, modernas, iguais para todos os concorrentes”.
A presidente e CEO da associação da indústria móvel (CTIA), Meredith Atwell Baker, também mostrou satisfação com a medida da FCC, destacando que a entidade e empresas associadas apoiam a Internet aberta. “O chairman Pai e a Comissão estão certos em restaurar a agenda regulatória duradoura que permitiu à Internet crescer e florescer. A decisão de hoje vai ajudar os provedores móveis a entregar uma experiência de banda larga móvel wireless que os consumidores irão demandar amanhã”, declarou. Ajit Pai foi executivo da Verizon no passado, mas seu antecessor, Tom Wheller, responsável pelas regras pró-neutralidade, havia sido executivo das duas principais associações de lobby das empresas de telecom, a CTIA e a NCTA.
Em comunicado, a organização sem fins lucrativos da sociedade civil Internet Society reprovou o resultado e disse que “acredita que é imperativo garantir que os usuários de Internet e os princípios de acesso, escolha e transparência estejam no centro de qualquer regime regulatório”. E alerta que a questão pode ir além dos EUA, com “implicações globais”.
OPINIÃO DE ESPECIALSITAS NO BRASIL
Para o advogado Ademir Antonio Pereira Junior, (da Advocacia José Del Chiaro e especialista em direito e internet), essa decisão pode mudar negativamente a dinâmica de inovação da internet nos Estados Unidos e, por consequência, afetar a inovação no mundo todo. Isso porque os Estados Unidos vinham sendo proeminentes neste campo. Além disso, ele acredita que a decisão deve repercutir no Brasil, já que existe uma pressão por mudanças no Marco Civil da Internet.
Já o professor e coordenador do MBA em marketing digital da FGV, André Miceli, a decisão da Comissão Federal das Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) de deixar de classificar a internet banda larga como serviço de utilidade pública no país implica um “desequilíbrio sistêmico”. De acordo com ele, o resultado pode ser péssimo para o ambiente digital porque recentemente, pela primeira vez nos últimos anos, houve um desaquecimento nos investimentos de infraestrutura de acesso à internet.]
André Miceli apontou que, nesse formato, haverá menos concorrência e menos possibilidade de evolução; e que a tendência será que os serviços piorem para os consumidores, e os distribuidores de conteúdo vão perder em desempenho. O professor da FGV explica que, com os servidores de internet ainda considerados de utilidade pública, não podia acontecer priorização desses pacotes e agora vai poder.
Membro do Stanford Center for Internet and Society, Junior completa que, ao revogar a regulação, a FCC passa a demandar apenas transparência dos provedores de internet, que devem divulgar suas práticas aos consumidores, e confia que o direito antitruste e o direito do consumidor podem lidar com problemas específicos.
Independente das opiniões sobre a decisão, o mundo todo deve observar o andamento do setor telecom nos EUA com mais atenção. Outros países já se preparam para formar suas opiniões nos futuros debates sobre o modelo escolhido nos Estados Unidos e que deve continuar em pauta para o ano de 2018.
Fonte: Convergência Digital/ Telesintese/ Abranet, Teletela
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